Jelson Oliveira, diretor do curso de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
O que, na sua opinião, difere o processo de geração de um filho por métodos naturais e por reprodução assistida?
O filho tinha, no passado, uma carga muito mais ligada ao sagrado ou ao natural. As relações com os filhos sempre estiveram nas sociedades primitivas, na Idade Média e até na era moderna, marcadas por certa razão de sacralidade. Hoje, essa tecnologia da geração da vida cria poucos vínculos com os filhos. Ela explica tudo e perde-se, portanto, toda a sacralidade da relação. E isso acaba afetando a maneira como um pai recebe o seu filho.
É quase como uma relação de consumo?
O filho hoje está muito ligado à ideia de um produto da tecnologia. Nesse processo você pode descartar um filho como qualquer outro produto, que pode ser recusado se não vem da forma como solicitado. O pai planeja tanto, racionaliza tanto esse filho, que perde toda a sacralidade, mais ligada ao acaso da espera, que hoje praticamente não existe.
E quais são os riscos desse tipo de relação?
Quando o pai trata o filho como um produto, ele não tem a relação de compromisso e de afetividade que um filho exige. Nós não somos só seres que fazemos, somos seres que pensamos, amamos, nos relacionamos com as divindades. Neste cenário, você pode ter uma sociedade com muito mais problemas sociais.
E tem como frear esse processo?
Eu acho que não. Eu pesquiso um autor, chamado Hans Jonas, que escreveu em 1979 O princípio da responsabilidade, em que ele fala das consequências éticas do uso exacerbado deste viés técnico na vida humana. Ele fala, por exemplo, que nós estamos muito próximos do dia em que essa ciência que nos dá crianças como produtos vai fazer com que possamos ir na frente de uma máquina e escolher o filho que queremos ter. Se a gente recusa um filho porque não queria três, mas dois, logo podemos recusar aqueles que nascerem negros, homossexuais, ou com uma síndrome. O poder que a ciência nos oferece é muito bom, mas é perigoso. Ele precisa ser usado com ética, que é o que dá à ciência um certo limite, necessário principalmente quando afeta a vida humana.